domingo, 6 de outubro de 2013

Primeiro capítulo


Candangolândia


Primeiro Capítulo



Era véspera de eleição, e por todo canto e recanto desta terra amada pelo exilado padre José Fontanella, que Deus o tenha em bom lugar, corria o mesmo cheiro em abundância, seja na feira, seja na praça, nas ruas ou nas calçadas, comum a todo lugarejo em época tão sagrada e profana como esta, na qual o sol chega cedo e não pede licença pra bater na porta, apenas a dizer, Levanta, comadre, amanhã é dia da verdade, e hoje, o da mentira, como bem sabemos, o que remontando pela via mais segura aos olhos do leitor, é que hoje é dia de correr atrás do voto, caso seja um candidato, ou no caso do eleitor, hoje é dia de colocar a farinha na mesa e a carne no varal, notadamente em algo na qual as duas pontas saciam ferozmente em receber em conjugar uma sentença tão propagada por São Francisco de Assis em relação ao dar e receber, pois é dando que se recebe, não havendo portanto deveras ao longo do caminho futuro, nenhuma obrigação a dar ao outro, pois produto pago é produto comprado, mesmo que seja um produto da consciência humana, como assim já vejo logo na primeira esquina, quando um dos candidatos ao cargo de vereador acaba de sair da casa de uma mulher, e tá certo que ele irá dizer à sua senhora quando lá chegar, que estava à caça dos votos durante à madrugada, enquanto a outra dirá ao corno que por ora está viajando, mas quando a dar pelo fato irá saber que fora àquilo apenas uma simples visita matinal com os devidos créditos a depositar o leite das crianças, sim, o mesmo tal qual se fez negócio na eleição passada, afinal, é sempre assim, um vício só, seja de quem dá ou mesmo de quem recebe, e coitado do santo que não pensava em que ponto chegaria a humanidade em torno de uma outra semântica.

Mas conforme íamos dizendo, deixando de lado certas particularidades que não venham agora ao caso, depois quem sabe, algum valor venha a ter nesta narrativa, seguimos o cheiro que contamina este dia, e logo avistamos na entrada da feira nova, e que de nova nada tem, que os famosos santinhos percorrem junto ao pagamento do alface, e com ele, um breve recado, Olha, não esqueça de mim no dia de amanhã, o que nos faz relembrar na fala daquele ladrão que ao lado de Cristo lhe disse enquanto o outro lado ironizava, e também aqui percebemos uma outra ironia da boca da vendedora de alface quando aquele moço das às costas à procura de outras presas, Pode deixar, meu querido, não esquecerei de você, o que no coração, seria outra a sentença a dizer, Tá pensando que eu sou besta, seu otário, e é claro que ela disse estas palavras apenas em pensamento, porém mordendo a língua numa vontade louca a dizer em voz alta, porém, havia na tua mão uma nota razoável que equivalia cinco vezes mais do que um pé de alface, e só ali daria pra comprar cinco litros de leite, afinal, o costume por aqui ainda é parir um por ano, então, melhor seria pensar nas crianças do que na ira do diabo, e voto por voto em se tratando dos homens que irão compor à casa da lei, tanto faz um como o outro, o que vale é quem dá mais, pois no fundo no fundo, no pensar desta mulher, é mais um vagabundo que será alimentado pelo povo, e se assim é, assim seja que ele deposite em minhas mãos um bocado dos teus, e que seja agora, antes do último sorriso do sol, pois depois da contagem dos votos, é um tal de beijinho beijinho pau pau, como um dos versos de uma canção da dupla Os Lerosos em maio de 1989, no Salão Paroquial, no aclamado evento Rondon faz Arte em sua primeira edição, pra fúria de alma do prefeito da época, que nos bastidores, disse a um dos seus assessores, Olha, não quero mais saber deste moleques aí cantando esta música mais não, isso fere a dignidade do meu governo, e eu sou um homem sério, tenho um nome a zelar.

E por falar nisso, já é hora de observar e registrar, porém não por inteiro, as peripécias de três homens a dividir o contorno da praça principal, que bem poderia esta se chamar praça do fazendeiro, ou quem sabe Altímio Marinho, mas que de paz lhe apelidaram quando passaram do chão ao concreto, nome mais do que comum, e por ser comum, de nada deixa de interessante à história, a não ser, como estávamos a dizer, sobre estes três homens enigmáticos. O primeiro, do lado norte da praça, sentado numa das mesas do bar da Manza, faz anotações em seu caderninho que no futuro se chamará Rondon do Pará em prosas, versos e canções, isso é, num futuro ainda um pouco distante, pois a cultura ainda não faz parte das recomendações governamentais, nem nas mentes, nem nos espíritos e nem nas cartas de intenções dos nossos candidatos, é coisa ainda se pensar, porém, o professor e poeta Joseilson Meirelles já pensa em relatar a história deste povo em versos, assim como Homero ou Camões, apenas pra citar dois belos exemplos, e por isso, ali está, com olhos de falcão, a registrar os pormenores, que aos olhos de um outro cidadão qualquer seria um besterol a jogar no lixo, mas sempre há de se catar algumas pérolas na lixeira, não todos os dias, não em todas as cestas, e por isso, ali está ele, a esperar pelo desfile dos diabinhos vermelhos, que logo logo sairão da feira e atravessarão em marcha tendo no peito de cada um a foice e o machado, alguns por ignorância, outros menos, por sapiência, afinal, pra cada um milhão de tolos há sempre uma língua a declamar e a comer do melhor pirão, mas o nosso poeta está ali pra registrar em versos, e assim o faz, e enquanto espera, uma dose de cana das Minas Gerais sempre é bem-vinda por aqui, embora seja o nosso poeta um bom baiano. Já do outro lado, um sotaque mais próximo vem saindo do supermercado, agregando entre um dos bolsos do blusão azul um litro de vodka, sua especialidade nas horas vagas e históricas como esta, que não traz bloco de anotações como o outro, mas registra tudo em teu cérebro de bom maranhense da terra da soja, para depois em forma de mural preencher o espaço da biblioteca da Escola Dom Pedro I aos olhos e ouvidos dos meninos e meninas famintas e sedentas a pular o muro da história, e o nosso é quem vai no futuro ser o cavalete por onde nossas crianças irão subir às costas para atravessar o espaço temporal da qual se divide o presente e o passado, cujo nome se proclama como Walney Silva, cabra macho. E como dissemos já em outro momento desta narrativa, são três os homens, e se já apresentamos dois, no caso, ainda falta um, porém, deixemos este outro a decorrer suas peripécias em outro capítulo, pois agora é pausa para o café, um descanso pras retinas, ou quem sabe um bom cochilo, afinal, tanto o leitor como o narrador sempre precisam de um bom tempo pra se entregar à vida real, vê como está o tempo, quem ligou, quem chegou, os recados estampados na porta da geladeira, o calendário, dá milho aos pombos e água aos cães, revistar o facebook, a caixa do email, e nada por esperar como uma carta que vem de longe, pois já estamos em tempos pós-modernos, e além do mais, o homem do correio está em greve, a terceira neste ano.




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