Candangolândia
Primeiro
Capítulo
Era véspera de eleição, e
por todo canto e recanto desta terra amada pelo exilado padre José Fontanella, que
Deus o tenha em bom lugar, corria o mesmo cheiro em abundância, seja na feira, seja
na praça, nas ruas ou nas calçadas, comum a todo lugarejo em época tão sagrada
e profana como esta, na qual o sol chega cedo e não pede licença pra bater na
porta, apenas a dizer, Levanta, comadre, amanhã é dia da verdade, e hoje, o da
mentira, como bem sabemos, o que remontando pela via mais segura aos olhos do
leitor, é que hoje é dia de correr atrás do voto, caso seja um candidato, ou no
caso do eleitor, hoje é dia de colocar a farinha na mesa e a carne no varal,
notadamente em algo na qual as duas pontas saciam ferozmente em receber em
conjugar uma sentença tão propagada por São Francisco de Assis em relação ao
dar e receber, pois é dando que se recebe, não havendo portanto deveras ao
longo do caminho futuro, nenhuma obrigação a dar ao outro, pois produto pago é
produto comprado, mesmo que seja um produto da consciência humana, como assim
já vejo logo na primeira esquina, quando um dos candidatos ao cargo de vereador
acaba de sair da casa de uma mulher, e tá certo que ele irá dizer à sua senhora
quando lá chegar, que estava à caça dos votos durante à madrugada, enquanto a
outra dirá ao corno que por ora está viajando, mas quando a dar pelo fato irá
saber que fora àquilo apenas uma simples visita matinal com os devidos créditos
a depositar o leite das crianças, sim, o mesmo tal qual se fez negócio na
eleição passada, afinal, é sempre assim, um vício só, seja de quem dá ou mesmo
de quem recebe, e coitado do santo que não pensava em que ponto chegaria a
humanidade em torno de uma outra semântica.
Mas conforme íamos dizendo,
deixando de lado certas particularidades que não venham agora ao caso, depois
quem sabe, algum valor venha a ter nesta narrativa, seguimos o cheiro que
contamina este dia, e logo avistamos na entrada da feira nova, e que de nova
nada tem, que os famosos santinhos percorrem junto ao pagamento do alface, e
com ele, um breve recado, Olha, não esqueça de mim no dia de amanhã, o que nos
faz relembrar na fala daquele ladrão que ao lado de Cristo lhe disse enquanto o
outro lado ironizava, e também aqui percebemos uma outra ironia da boca da
vendedora de alface quando aquele moço das às costas à procura de outras
presas, Pode deixar, meu querido, não esquecerei de você, o que no coração,
seria outra a sentença a dizer, Tá pensando que eu sou besta, seu otário, e é
claro que ela disse estas palavras apenas em pensamento, porém mordendo a
língua numa vontade louca a dizer em voz alta, porém, havia na tua mão uma nota
razoável que equivalia cinco vezes mais do que um pé de alface, e só ali daria
pra comprar cinco litros de leite, afinal, o costume por aqui ainda é parir um
por ano, então, melhor seria pensar nas crianças do que na ira do diabo, e voto
por voto em se tratando dos homens que irão compor à casa da lei, tanto faz um
como o outro, o que vale é quem dá mais, pois no fundo no fundo, no pensar
desta mulher, é mais um vagabundo que será alimentado pelo povo, e se assim é,
assim seja que ele deposite em minhas mãos um bocado dos teus, e que seja
agora, antes do último sorriso do sol, pois depois da contagem dos votos, é um
tal de beijinho beijinho pau pau, como um dos versos de uma canção da dupla Os
Lerosos em maio de 1989, no Salão Paroquial, no aclamado evento Rondon faz Arte
em sua primeira edição, pra fúria de alma do prefeito da época, que nos
bastidores, disse a um dos seus assessores, Olha, não quero mais saber deste
moleques aí cantando esta música mais não, isso fere a dignidade do meu
governo, e eu sou um homem sério, tenho um nome a zelar.
E por falar nisso, já é hora
de observar e registrar, porém não por inteiro, as peripécias de três homens a
dividir o contorno da praça principal, que bem poderia esta se chamar praça do
fazendeiro, ou quem sabe Altímio Marinho, mas que de paz lhe apelidaram quando
passaram do chão ao concreto, nome mais do que comum, e por ser comum, de nada
deixa de interessante à história, a não ser, como estávamos a dizer, sobre
estes três homens enigmáticos. O primeiro, do lado norte da praça, sentado numa
das mesas do bar da Manza, faz anotações em seu caderninho que no futuro se
chamará Rondon do Pará em prosas, versos e canções, isso é, num futuro ainda um
pouco distante, pois a cultura ainda não faz parte das recomendações
governamentais, nem nas mentes, nem nos espíritos e nem nas cartas de intenções
dos nossos candidatos, é coisa ainda se pensar, porém, o professor e poeta
Joseilson Meirelles já pensa em relatar a história deste povo em versos, assim
como Homero ou Camões, apenas pra citar dois belos exemplos, e por isso, ali
está, com olhos de falcão, a registrar os pormenores, que aos olhos de um outro
cidadão qualquer seria um besterol a jogar no lixo, mas sempre há de se catar
algumas pérolas na lixeira, não todos os dias, não em todas as cestas, e por
isso, ali está ele, a esperar pelo desfile dos diabinhos vermelhos, que logo
logo sairão da feira e atravessarão em marcha tendo no peito de cada um a foice
e o machado, alguns por ignorância, outros menos, por sapiência, afinal, pra
cada um milhão de tolos há sempre uma língua a declamar e a comer do melhor
pirão, mas o nosso poeta está ali pra registrar em versos, e assim o faz, e
enquanto espera, uma dose de cana das Minas Gerais sempre é bem-vinda por aqui,
embora seja o nosso poeta um bom baiano. Já do outro lado, um sotaque mais
próximo vem saindo do supermercado, agregando entre um dos bolsos do blusão
azul um litro de vodka, sua especialidade nas horas vagas e históricas como
esta, que não traz bloco de anotações como o outro, mas registra tudo em teu
cérebro de bom maranhense da terra da soja, para depois em forma de mural
preencher o espaço da biblioteca da Escola Dom Pedro I aos olhos e ouvidos dos
meninos e meninas famintas e sedentas a pular o muro da história, e o nosso é
quem vai no futuro ser o cavalete por onde nossas crianças irão subir às costas
para atravessar o espaço temporal da qual se divide o presente e o passado,
cujo nome se proclama como Walney Silva, cabra macho. E como dissemos já em
outro momento desta narrativa, são três os homens, e se já apresentamos dois,
no caso, ainda falta um, porém, deixemos este outro a decorrer suas peripécias
em outro capítulo, pois agora é pausa para o café, um descanso pras retinas, ou
quem sabe um bom cochilo, afinal, tanto o leitor como o narrador sempre
precisam de um bom tempo pra se entregar à vida real, vê como está o tempo,
quem ligou, quem chegou, os recados estampados na porta da geladeira, o
calendário, dá milho aos pombos e água aos cães, revistar o facebook, a caixa
do email, e nada por esperar como uma carta que vem de longe, pois já estamos
em tempos pós-modernos, e além do mais, o homem do correio está em greve, a
terceira neste ano.
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