Candangolândia
Teceiro
Capítulo
Enquanto a manhã corria
solta, embalada pelos belos versos do poeta Amilton Ruas numa de suas mais
belas viagens poéticas, e dedilhada com os dedos do leroso Tião Puro, na voz
cortante do frenético Edson Sete, este com sua calça preta, toda apertadinha, e
os cabelos em puro gel, porquanto assim se definia a primeira estrofe, Toda
manhã, levanto cedo, escovo os dentes e te dou um beijo de hortelã, o menino
Valber, psicólogo por formação universitária, estendia uma das mãos ainda na
cabeceira da rua César Brasil, enquanto o vento soprava teus cabelos, empurrados
por uma breve indagação, Oi irmã de Rubinho e Zé Mocó, será que você não
poderia deixar uma moedinha pra mim tomar um café com leite lá na Veneza.
Enquanto isso, do outro lado
da avenida, e pra ficar mais claro em relação ao lugar, na entrada da Praça da
Bandeira, numa esquina onde antes era o famoso Bar Oriente, por onde as tardes
rondonparaenses ainda na década de 70, eram animadas ao som da musicalidade
brega de Roberto Garoto, agora estava o jovem Ricardo D’Almeida, após conferir
as imagens tiradas da cruzada vermelha, que ao longo lá se vai, e se prepara
para mais adiante, pois há muito trabalho pela frente, já que o mesmo ficara
sabendo na noite de ontem que hoje à tarde homens iriam cair do céu voando como
pássaros, e cujo lugar de pouso seria a nossa querida Praça da Paz, lá onde
agora mesmo o poeta maior Dionísio Almeida acabou de comprar um disco original
do cantor e compositor João Miranda, trabalho este gravado ainda no início dos
anos 90, e que tinha como título uma das canções mais cantadas durante a semana
do meio ambiente, Proteção ao verde, num trabalho artístico que teve como
mecena, o libriano Manoel Lacerda, homem de espírito singular, que Deus o tenha
em bom lugar.
Poderíamos por aqui parar e
prosear sobre arte, sobre música, sobre poesia, porém, o que nos interessa
agora é esperar por aqueles homens que irão cair do céu logo mais à tarde,
pois, por aqui, ainda é grande novidade, e são das novidades que ainda espera
cada homem por viver, visto que a vida em rotina é cancerígena ao espírito
humano, este, sempre levado às aventuras, seja da carne ou seja da alma, e por
falar em aventuras, segue o professor Joseilson Meirelles a coletar
poeticamente os farelos que há muito vem se perdendo por aí, e destes, não é
que surge em verso, entre outros, o conflito entre os americanos e os posseiros
desta terra, acontecido ironicamente em quatro de julho de mil novecentos e
setenta e seis, justamente no bicentenário da independência dos Estados Unidos
da América. Pois bem, enquanto nesta mesma data Zico e Roberto Dinamite repetiam
em placar o feito de 70, por Pelé e companhia, contra a mesma Azurra, desta
feita em solo americano, por aqui, segundo os versos do estimado poeta e
professor Joseilson Meirelles, os posseiros invadiam a terra do senhor John Weaver
Davis e filhos, terra esta que se perdia no horizonte, pois assim era a
confirmação de posse naqueles tempos distantes e difíceis, e que através do
olhômetro se media a quantidade de hectares, como por exemplo, Tá vendo lá, meu
filho, onde deita o sol, pois é, minha terra segue daqui até lá, e que se
atreva o primeiro imbecil a invadir aquilo que é meu por direito, se
estabelecendo assim, disputas e conflitos por onde muitos se perderam, ganhando
ao invés de terras a pisar, sete palmos de terra nos cornos, deixando bem claro
que naqueles tempos prevalecia neste recanto a lei do mais forte, e entenda-se
aqui que mais forte não significa ser o mais gordo, porém, o de melhor calibre e
o de melhor bagagem.
Mas deixando por aí que os
mortos que enterrem seus mortos, atentemo-nos, agora, no quadro histórico em
que o professor Walney Silva vem há muito tempo a preparar, cuja exposição será
realizada na biblioteca da Escola Dom Pedro I, numa coletânea de imagens que
contam e resgatam um pouco da historiografia deste lugar, tentando manter viva
a memória de um povo, naquilo que seria por obrigação, um trabalho a se
realizar, caso aqui tivéssemos já uma Casa de Cultura, porém, como já expomos
lá no primeiro capítulo, este tipo de coisa não faz parte da cartilha dos
nossos políticos, quem sabe um belo dia, quando não tivermos criadores de bois
e plantadores de capins a sentar na cadeira em que tudo se governa, porém, não
creio que ainda será por fazer parte desta geração, e talvez nem da outra,
pois, política por aqui ainda se faz comprando votos em troco de bujão de gás,
cesta básica, caixa de remédio, talão de água e luz, telhas e lajotas, promessa
de terrenos, de aposentadoria, emprego na máquina pública para mulher e filhos,
parentes e derentes, bem como, isenção do IPTU, que este já cansou de eleger
neguinho de encher balde, e por aí se vai.
E era um gole de vodka, uma
música de Raul, e uma imagem colada ao quadro, enquanto o amigo Jânio, ex
padeiro, sentado ao lado, dizia, Essa é boa, não sabendo nós a se referir à
canção ou à imagem. E numa destas imagens antigas, reconhecemos de longe o
padre José Fontanella, e que atualmente é nome de um estabelecimento de ensino,
por onde precariamente convivem em seu quadrante, crianças e ratos a dividirem
o mesmo espaço, sem falar, é claro, nas serpentes, pois onde há ratos, há
cobras, tudo por causa duma diversão que já faz tempo vem travando o governo do
estado junto ao governo municipal, por onde um diz, Não é minha obrigação
cuidar desta escola, cuida você que recebe os fundos destes alunos, da minha
parte, as paredes já se encontram de pé. E lá do alto, junto a São Pedro, o
dito padre, em fúria de espírito se lamenta por ter, ainda em vida, emprestado
o belo nome italiano a ser jogado numa lata de lixo, o que, pelo jeito, só será
resolvido tal situação, quando no futuro, a galera amistosa dos Blacks por aqui
chegar e pinchar de negro a distinta Casa Verde, que por ora, esta também
contém os seus ratos, porém, estes bem mais nobres do que àqueles, haja vista
suas belas intenções e criações desde quando o mundo é mundo. E como diria
Didinho, em sua caduca lucidez, Meu filho, no mundo tudo há, há, há, há! E por
aqui paramos nós, pois é hora de sentar no Debra e encher o bucho da mais
apetitosa panelada da Br 222, e depois, deitar numa rede preguiçosa à espera
daqueles homens a cair do céu, pois, como grande novidade, ali tem coisa, e em
matéria de política, tanto faz ser antes ou depois, ainda vivemos de pão e
circo, e assim como não fora os romanos quem mataram a Cristo, e sim, os
judeus, também não fora Maquiavel o primeiro na arte de ludibriar, embora este
de fama, ainda se vive.